[História] Moradores mais antigos de sítios, na velha estrada entre Umarizal e Apodi, relembram fatos da passagem do bando liderado por Lampião a caminho do ataque frustado à cidade de Mossoró. (Pesquisa de Dudé Viana, publicada no jornal Tribuna do Norte, Natal, em 20 de junho de 2010; e no jornal Zona Sul, edição mensal, Natal, julho de 2010).
Foto: Carla Carneiro
José Daniel Carneiro, o Zé Daniel, ex-vaqueiro, nasceu no Sítio Língua de Vaca, no município de Caraúbas-RN, em 14 de maio de 1922, e desde os dois anos de idade é morador do Sítio Poço Redondo, a 32 km do centro urbano. José Sena de Lima, o Zé Sena, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, nasceu em 28 de novembro de 1922, na Fazenda Sabe Muito, também em Caraúbas, onde o seu pai era vaqueiro, e desde 1930 mora no Sítio Chique-Chique, a 30 km do centro da cidade. Os dois contam como foi a passagem aterrorizante do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando, pela velha estrada de Umarizal a Apodi.
Foto: Carla Carneiro
Cooptado com Massilon Benevides Leite, potiguar da cidade de Luis Gomes, para invadir Mossoró e se beneficiar do impressionante capital acumulado, graças a dinâmica econômica da maior cidade da Região Oeste potiguar, em 10 de maio de 1927, depois de ter atacado a cidade de Belém do Rio do Peixe, na Paraíba, Lampião e cerca de 57 homens entram no Rio Grande do Norte, pela cidade de Luis Gomes, invadem sítios, espalhando medo e terror por onde passam, destruindo tudo que encontram à sua frente, cometendo os piores atos de violência como sequestrar, saquear, incendiar casas, estuprar e matar.
Nos sítios Aroeira e Bom Jardim roubam dinheiro e jóias, prendem dona Maria José, de 70 anos de idade, esposa do proprietário do sítio Aroeira, exigindo resgate de 30 contos, e cangaceiro Graúna mata José Silva, um morador do sítio. No Sítio Bom Jardim, de Cassiano Benício, o susto do cangaceiro mata Moisés Boágua, avô materno de Antônia Ayres Viana, a futura esposa do então menino Zé Daniel. Este, que passou toda a infância vivenciando este fato, e até os dias atuais, vez por outra, lhes pede para contar a mesma história.
As pessoas, de tanto medo, saíam de suas casas, sempre que surgiam rumores da aproximação de Lampião por esses lugares, e deixavam as portas abertas, porque o cangaceiro ficava muito furioso quando encontrava portas fechadas. No Sítio Ação, de Chico Neco, onde comboieiros que vinham de lugares mais distantes sempre pernoitavam, aconteceu um episódio: a família correu ao perceber a chegada de Lampião, e os comboieiros, que também correram preocupados em salvar os seus pertences, fecharam as portas da casa antes de fugirem; só um dos moradores da casa, de nome Evaristo, por ter pouca visão, não correu.
Lampião enfurecido, depois que seus cabras comeram e beberam, mandou botar querosene nas cangalhas, nos caçoais e na casa, tocar fogo em tudo, e soltar os animais. Vendo o Evaristo em pé parado e sem nenhuma reação, Lampião perguntou: E você, seu cabra, não correu por quê? O Evaristo, que não enxergava quase nada, lhe respondeu: Não, Capitão, eu não vi porque correr!
Lampião achou que era um afronte à sua pessoa e ordenou que o amarrasse e o levasse com o bando, para ser morto depois.
Saíram do Sítio Ação para o Sítio Barro Vermelho, do cel. Joaquim Pereira, onde foram recebidos com tranquilidade pelo dono da casa, se abancaram, comeram, olharam as armas, expostas por todos os cantos da sala, e o cel. Joaquim, vendo o Evaristo amarrado no tronco de uma árvore, mandou lhe servir comida, e na hora de Lampião ir embora, o cel. Joaquim lhe perguntou: Capitão, por que está levando o Evaristo? Respondeu-lhe Lampião: Para do veneno dele fazer sabão. Este cabra é tão ruim, que não correu quando todos correram; por isso, vou matá-lo e dele fazer sabão!
Vizinho do Evaristo há muitos anos, Joaquim Pereira disse ao Capitão: Eu o conheço, é o Evaristo, um pobre coitado e zanoio, que não enxerga quase nada. Solte ele! Lampião, atendendo ao pedido do cel. Joaquim Pereira, soltou Evaristo, que pelo o resto de sua vida foi sempre muito grato ao seu salvador.
Do Sítio Barro Vermelho, Lampião e seu bando de criminosos foram para o Sítio Umari, onde sequestraram o coronel Antônio Gurgel e sua esposa, dona Neném do Mari (o coronel Antônio Gurgel foi levado até Mossoró). Do Umari foram para a Fazenda São Vicente, na qual o grupo de bandidos praticou roubos e estuprou dona Mariquinha Moreira, esposa do senhor Pedro Canapum. Da fazenda São Vicente, Lampião foi para o Sítio Chique-Chique, aonde já chegaram saqueando a mercearia que existia. O seu Zé Sena conta que quando Lampião passou por aqui, ele morava no sítio vizinho de nome A Volta do Juazeiro, e se lembra de tudo, da correria das pessoas deixando suas casas para se esconderem nas caatingas...
Do Chique-Chique, Lampião foi para o Sítio Santana, onde Zé Pequeno escondeu o dinheiro no buraco de um andaime e quase morre de tanto apanhar para dizer onde estava o dinheiro, mas não disse. Lampião, seguidamente, abaixava e levantava a cabeça de Zé Pequeno, e perguntava: Zé Pequeno, cadê o dinheiro? Zé Pequeno olhava para o dinheiro, bem no alto do andaime, e respondia: Capitão, eu não tenho dinheiro, não!
Lampião passou pelas cidades de Felipe Guerra, depois São Sebastião, atual Gov. Dix-sept Rosado, onde, juntamente com seu bando, depredam a estação de trem e matam um jovem. O cangaceiro chegou a Mossoró em 13 de junho de 1927. Oito moradores da passagem das oiticicas são aprisionados como reféns. Mas Lampião foi surpreendido por cerca de trezentos bravos defensores, que atiravam de todos os cantos da cidade; então, a partir da derrota em Mossoró, Lampião começou a perder forças e acabou fugindo para a Bahia com poucos homens. Sua saga completou-se em 28 de julho de 1938, no lugarejo de Angicos, no Estado de Sergipe.
Ruínas da casa grande do Sítio Poço Redondo...
Zé Sena foi convocado para a Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1943, aos 21 anos de idade. Como oficialista do Batalhão, trabalhava como sapateiro, profissão que aprendeu com seu pai. Conta que foi a cavalo do Sítio Chique-Chique até a cidade de Caraúbas, de lá foi de trem até Mossoró e de caminhão pau-de-arara até Natal.
Lembra que ainda não existia a ponte do Rio Assu, então atravessaram o pau-de-arara num pontal de madeira, uma balsa grande, e todos empurrando. Ele ficou nove meses no 2º Batalhão de Carros de Combate, em Natal, quando chegou o chamado para o Rio de Janeiro. Todo o batalhão viajou de navio durante oito dias e oito noites até Cabo Frio-RJ. Eram 10 navios de carga levando as armas e dois navios com o batalhão inteiro de três mil soldados.
De Cabo Frio foram de trem para o 6º RI - Regimento de Infantaria, em Caçapava, no Estado de São Paulo, e de lá, soldados eram enviados para o centro de batalha em Berlim, na Alemanha. Mas foi em Cabo Frio que o seu Zé Sena teve muito medo de morrer, porque os alemães enviavam submarinos na tentativa de matar a todos.
O Zé Daniel que nunca fez mal a ninguém, mas por ser da família Carneiro, quase sempre que acontece um crime na Região Oeste potiguar, a polícia bate a sua porta a procura de possíveis criminosos, mas nunca encontra um sequer em sua casa. São dois amigos, de 88 anos, dois homens unidos numa história: “o susto de Lampião”, na estrada velha do Apodi.
Outra imagem do Zé Daniel narrando os fatos no Sítio Poço Redondo
Zé Daniel narrando os fatos no Sítio Poço Redondo
José Daniel Carneiro, o Zé Daniel, ex-vaqueiro, nasceu no Sítio Língua de Vaca, no município de Caraúbas-RN, em 14 de maio de 1922, e desde os dois anos de idade é morador do Sítio Poço Redondo, a 32 km do centro urbano. José Sena de Lima, o Zé Sena, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, nasceu em 28 de novembro de 1922, na Fazenda Sabe Muito, também em Caraúbas, onde o seu pai era vaqueiro, e desde 1930 mora no Sítio Chique-Chique, a 30 km do centro da cidade. Os dois contam como foi a passagem aterrorizante do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando, pela velha estrada de Umarizal a Apodi.
Zé Sena mostra a garagem, no local da mercearia que foi saqueada pelo bando de Lampião.
Lampião enfurecido, depois que seus cabras comeram e beberam, mandou botar querosene nas cangalhas, nos caçoais e na casa, tocar fogo em tudo, e soltar os animais. Vendo o Evaristo em pé parado e sem nenhuma reação, Lampião perguntou: E você, seu cabra, não correu por quê? O Evaristo, que não enxergava quase nada, lhe respondeu: Não, Capitão, eu não vi porque correr!
Lampião achou que era um afronte à sua pessoa e ordenou que o amarrasse e o levasse com o bando, para ser morto depois.
Vizinho do Evaristo há muitos anos, Joaquim Pereira disse ao Capitão: Eu o conheço, é o Evaristo, um pobre coitado e zanoio, que não enxerga quase nada. Solte ele! Lampião, atendendo ao pedido do cel. Joaquim Pereira, soltou Evaristo, que pelo o resto de sua vida foi sempre muito grato ao seu salvador.
Foto: Carla Carneiro
Casa grande do Sítio Chique-Chique, vista lateral...
Foto: Carla Carneiro
José Sena sentado na cajarana centenária, no pátio do Sítio Chique-Chique
Lampião passou pelas cidades de Felipe Guerra, depois São Sebastião, atual Gov. Dix-sept Rosado, onde, juntamente com seu bando, depredam a estação de trem e matam um jovem. O cangaceiro chegou a Mossoró em 13 de junho de 1927. Oito moradores da passagem das oiticicas são aprisionados como reféns. Mas Lampião foi surpreendido por cerca de trezentos bravos defensores, que atiravam de todos os cantos da cidade; então, a partir da derrota em Mossoró, Lampião começou a perder forças e acabou fugindo para a Bahia com poucos homens. Sua saga completou-se em 28 de julho de 1938, no lugarejo de Angicos, no Estado de Sergipe.
Zé Daniel cresceu cuidando de gado e outros animais no Sítio Poço Redondo, de Hermano Fernandes, onde foi o principal vaqueiro. Casou-se com dona Antônia Ayres Viana e tiveram nove filhos. Este que vos escreve é um deles.
Foto: Carla Carneiro
Zé Sena foi convocado para a Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1943, aos 21 anos de idade. Como oficialista do Batalhão, trabalhava como sapateiro, profissão que aprendeu com seu pai. Conta que foi a cavalo do Sítio Chique-Chique até a cidade de Caraúbas, de lá foi de trem até Mossoró e de caminhão pau-de-arara até Natal.
Lembra que ainda não existia a ponte do Rio Assu, então atravessaram o pau-de-arara num pontal de madeira, uma balsa grande, e todos empurrando. Ele ficou nove meses no 2º Batalhão de Carros de Combate, em Natal, quando chegou o chamado para o Rio de Janeiro. Todo o batalhão viajou de navio durante oito dias e oito noites até Cabo Frio-RJ. Eram 10 navios de carga levando as armas e dois navios com o batalhão inteiro de três mil soldados.
De Cabo Frio foram de trem para o 6º RI - Regimento de Infantaria, em Caçapava, no Estado de São Paulo, e de lá, soldados eram enviados para o centro de batalha em Berlim, na Alemanha. Mas foi em Cabo Frio que o seu Zé Sena teve muito medo de morrer, porque os alemães enviavam submarinos na tentativa de matar a todos.
Foto de Carla Caneiro sobre pintura
Zé Sena, em São Paulo, 1945.
Foto de Carla Carneiro sobre pintura
José Sena, em São Paulo, 1945.
Foto de Carla Carneiro sobre pintura
Zé Sena, em São Paulo, 1945.
Com o fim da segunda guerra em 1945, ele voltou para o Sítio Chique-Chique, onde serve como fonte de pesquisa para estudantes etc.. Casou-se com dona Maria Auxiliadora Praxedes, com quem teve uma filha; e em segundo casamento, com dona Eliete Martins da Fonseca, teve oito filhos.
Foto: Carla Carneiro
Outra imagem do Zé Sena na sua cajarana centenária do sitio Chique-Chique
Foto: Carla Carneiro
P.S.: Nesta postagem o texto está como foi publicado em 2010. Mas Zé Daniel e Zé Sena, de 88 anos, agora estão com 93 primaveras. Que maravilha!
Fontes de apoio: Carla Carneiro (fotos) e Nanô Carneiro (transporte).
MATÉRIA RETIRADA DO BLOG DE DUDÉ VIANA
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