*UMA PEQUENA REFLEXÃO SOBRE NOSSOS DIREITOS*
Resumo: A saúde pública brasileira encontra-se em crise, o tratamento médico não respeita a dignidade da pessoa humana, a cobertura não é universal e o atendimento não é integral. Diante desta elevada demanda em contraposição com a escassez dos recursos, os Estados atualmente alegam como fator impeditivo da efetivação do direito à saúde o Princípio da Reserva do Possível. Entretanto, em colisão com tal princípio existe o Princípio da Proibição do Retrocesso Social. A partir do marco teórico de Robert Alexy pertinente à colisão de princípios, realizou-se a ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, apresentando limites e possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, consubstanciando a vedação do Princípio do Retrocesso Social.
Ao longo das últimas décadas a sociedade contemporânea tem acompanhado a situação da saúde pública no Brasil. A realidade demonstra milhares de pessoas por todo o Brasil abandonadas pelo Estado, espalhadas pelos corredores dos hospitais, no chão, sem tratamento médico, óbitos ocorrem devido à ausência de medicamentos, infecções, falta de recursos, carência de profissionais especializados, equipamentos obsoletos ou abandonados e inexistência de ambulâncias.
Neste contexto, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal violam a dignidade da pessoa humana, fundamento expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, positivada no artigo 1º, inciso III, deixam de cumprir os objetivos fundamentais expressos em seu artigo 3º, pertinentes à sociedade livre, justa e solidária, não erradicam a pobreza e a marginalização, não reduzem as desigualdades sociais e regionais e por fim não promovem o bem de todos.
O direito à saúde esta tutelado na Constituição Federal, em seus artigos 6º e 196 deve ser efetivado por meio da integralidade de assistência: diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e o princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar o direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, e os seguintes objetivos específicos: apresentar o conceito de direito à saúde pública; dissertar a respeito do princípio da integralidade de assistência; demonstrar os conceitos dos Princípios da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social e a relação com o direito à saúde pública e investigar a colisão e a ponderação dos Princípios da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social em relação ao direito constitucional à saúde pública por meio da assistência integral.
A partir do marco teórico de ALEXY (2008) pertinente à colisão de princípios, será realizada a ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social. A hipótese do trabalho consiste em apresentar os limites existentes ao Princípio da Reserva do Possível, possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência consubstanciando a vedação do Princípio do Retrocesso Social.
2. O Direito Constitucional à Saúde Pública
O direito à saúde pública encontra-se positivado na Constituição Federal expressamente nos artigos 6º e 196, sendo um direito social e fundamental, é um dever do Estado. A saúde é inerente aos ser humano, bem como à sua vida com dignidade, sedo fundamento da República Federativa do Brasil, expresso na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III.
Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º apresenta expressamente a busca por uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e por fim promoção do bem de todos. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 196 apresenta a concepção de saúde.
O direito à saúde é um dever Estado, sendo inerente ao direito à vida com dignidade, concretizando assim o direito fundamental e social, conforme considera Pedro Lenza, o ser humano é o destinatário destes direitos tutelados na atual Constituição Federal da República de 1988, (LENZA, 2008).
A respeito do direito à saúde e por conseqüência à vida com dignidade estão tutelados pela Constituição Federal de 1988 e pelo ordenamento jurídico, que devem orientar o intérprete e operador do direito, neste sentido escreve Germano André Doederlein Schwartz “A saúde é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para a sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade. Assim a saúde se conecta ao direito à vida”. (SCHWARTZ,2001, p.52)
O Estado deve garantir o direito à saúde devido às garantias constitucionais e infraconstitucionais, conforme escreve José Adécio Leite Sampaio:
“A Constituição assegura em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (SAMPAIO, 2002, p.699-700)
A saúde é um direito social previsto constitucionalmente no artigo 6° e no artigo 196, sendo norma de ordem pública, imperativa e inviolável, cabendo ao Estado concretizar tal direito, conforme escreve Alexandre de Moraes:
“Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades potestativas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1°, IV, da Constituição Federal”. (MORAES, 2008, p.198)
A saúde é um direito de todo o cidadão cabendo ao Estado o dever de garantir e efetivar por meio de políticas públicas, sociais e econômicas, com o intuito de minimizar doenças, agravos e principalmente prevenindo a sociedade por meio tanto da informação quanto da educação, neste sentido escreve José Afonso da Silva:
“A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam.” (SILVA, 2001, p.808)
A Constituição garante a proteção à saúde preventiva e curativa, sendo o conceito deste direito amplo, não se restringindo ao tratamento e prevenção de doenças, cabendo ao Estado a sua efetivação, conforme escreve Kildare Gonçalves de Carvalho:
“O direito à saúde, de que trata o texto constitucional brasileiro, implica não apenas no oferecimento da medicina curativa, mas também na medicina preventiva, dependente, por sua vez, de uma política social e econômica adequadas. Assim, o direito à saúde compreende a saúde física e mental, iniciando pela medicina preventiva, esclarecendo e educando a população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia, trabalho, lazer, alimentação saudável na qualidade necessária, campanha de vacinação dentre outras. (CARVALHO, 2008, p.1251)”
O direito constitucional à saúde pública possui a integralidade de assistência como diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e como princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
A respeito da saúde é garantido a integralidade de assistência conforme escrevem TAVARES (2008) e MARTINS (2008), tutelando um bem estar físico, mental, social, a prevenção e o tratamento de doenças e enfermidades.
O direito à saúde pública é pautado na universalidade de cobertura e na integralidade de assistência. A assistência integral deve ser compreendida com um conjunto de ações e serviços que buscam informar, prevenir e tratar as doenças e agravos à saúde, garantindo ao indivíduo a proteção do seu potencial biológico e psicossocial e a recuperação de sua saúde. TAVARES (2008) e MARTINS (2008)
O conceito de integralidade é um dos pilares a sustentar a criação do Sistema Único de Saúde. Diretriz consagrada pela Constituição de 1988, previsto artigo 198 e a integralidade do tratamento é um princípio básico da saúde pública, previsto expressamente na Lei 8.080 de 1990 em seu artigo 7°:
“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (BRASIL, 1990)”
Entretanto, a atual situação econômica, política e social do Brasil por meio do Estado vem violando o direito constitucional à saúde pública, em especial ao que tange a integralidade do atendimento.
3. O Princípio da Reserva do Possível
Inúmeras são os fatores que contribuem para a violação por parte do Estado do dever constitucional e infraconstitucional pertinentes à efetivação do direito à saúde. Um dos fatores é o aumento da demanda pela sociedade brasileira, outro seria a diminuição da capacidade do Estado em efetivar o direito à saúde, conforme escreve Ingo Wolfgang Sarlet:
“De outra parte, a crescente insegurança no âmbito da seguridade social, neste contexto, de uma demanda cada vez maior por prestações sociais (ainda mais em sociedades marcadas pelo incremento da exclusão social) e de um paralelo decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da sociedade”. (SARLET, 2006, p.420)
Os direitos sociais em geral, o direito à saúde pública e à integralidade de tratamento no Brasil não é efetivado, conforme escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“Entretanto, em países – tais como o Brasil – que não atingiram o mesmo nível de proteção social que os dos continentes precursores de tais idéias – Europa, América do Norte, Oceania -, o período atual gera problemas de outra ordem: a redução de gastos públicos com políticas sociais, o que, em verdade, significa o não atingimento do prometido Bem-Estar Social”. (CASTRO, 2008, p.662)
Atualmente as sociedades estão sofrendo um elevado impacto em virtude do papel desenvolvido pelos Estados, inclusive o Brasil, ao que tange as políticas públicas, neste sentido escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“É inegável que as sociedades contemporâneas estão vivendo um processo de modificação das políticas estatais. A internacionalização da economia, derrubando fronteiras até então mais ou menos respeitadas tanto pelo capital produtivo como pelo meramente especulativo, hoje impera com largueza, colocando um xeque vários conceitos e entes intocáveis, como a soberania estatal, o valor social do trabalho e a intervenção do Estado com vistas à redução das desigualdades sociais.” (CASTRO, 2008, p.662-663)
A proteção social é afetada diretamente pelos efeitos da globalização, que afeta o próprio Estado Contemporâneo, neste sentido escreve Carlos Alberto Pereira de Castro: “Os efeitos da chamada globalização da economia parecem, pois, afetar de forma direta, não apenas o tratamento das questões de proteção social, mas o próprio amálgama formador do Estado Contemporâneo”. (CASTRO, 2008, p.666)
Destaca-se que o Estado deve garantir os direitos sociais, por meio de políticas públicas, a saúde deve ser um direito concretizado de forma integral, conforme escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“O Estado-Providência foi criado, segundo os seus precursores, para a redução das desigualdades sociais. Assim, o sistema se sustenta e se legitima pelo fato de que a sociedade – e o Governo eleito por esta – tem um compromisso moral com os menos favorecidos”. (CASTRO, 2008, p.668)
A integralidade de tratamento e o direito constitucional à saúde pública estão condicionados aos recursos e investimentos existentes. Neste sentido incide o Princípio da Reserva do Possível que tende a mitigar os direitos sociais.
Vale ressaltar que o Princípio da Reserva do Possível não trata exclusivamente às questões pertinentes aos recursos financeiros para a efetivação dos direitos sociais, mas sim a razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação, mas também a previsão orçamentária da respectiva despesa, neste sentido escreve Ingo Wolfgang Sarlet:
“Sustenta-se, por exemplo, inclusive entre nós, que a efetivação destes direitos fundamentais encontra-se na dependência da efetiva disponibilidade de recursos por parte do Estado, que, além disso, deve dispor do poder jurídico, isto é, da capacidade jurídica de dispor. Ressalta-se, outrossim, que constitui tarefa cometida precipuamente ao legislador ordinário a de decidir sobre a aplicação e destinação de recursos públicos, inclusive no que tange às prioridades na esfera das políticas públicas, com reflexos diretos na questão orçamentária, razão pela qual também se alega tratar-se de um problema eminentemente competencial. Para os que defendem esse ponto de vista, a outorga ao Poder Judiciário da função de concretizar os direitos sociais mesmo à revelia do legislador, implicaria afronta ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, ao postulado do Estado de Direito”. (SARLET, 2001,p. 286)
Atualmente, a Reserva do Possível tem sido o fundamento dos Estados buscando justificar a omissão para a efetivação dos direitos sociais, buscando afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de tais direitos, por meio da comprovação de ausência de recursos orçamentários suficientes para tanto.
A respeito da Reserva do Possível Luis Roberto Barroso afirma que os recursos públicos não são suficientes para atender as demandas sociais. Restando ao Estado direcionar o orçamento de acordo com as prioridades:
“A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender todas as necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros.” (BARROSO, 2009, p.37)
Em relação à analise econômica do direito, seus limites, benefícios e beneficiários escreve Luis Roberto Barroso:
“No contexto de análise econômica do direito, costuma-se objetar que o benefício auferido pela população com a distribuição de medicamentos é significativamente menor que aquele que seria obtido no caso os mesmos recursos fossem investidos em outras políticas de saúde pública, como é o caso, por exemplo, das políticas de saneamento básico e de construção de redes de água potável”. (BARROSO, 2009, p.33-34)
Neste conturbado contexto surge a demanda social e o direito constitucional à saúde pública de forma integral diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e no princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990 e o limite alegado pelos Estado por meio do Princípio da Reserva do Possível.
4. O princípio da Proibição do Retrocesso Social
Em relação ao Princípio da Proibição de Retrocesso Social, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que os direitos econômicos, sociais e culturais estão submetidos às recessões e às crises conjunturais e estruturais. Entretanto, as restrições devem sofrer limitações possibilitando o respeito à dignidade humana. (CANOTILHO 2000)
Canotilho demonstra que o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, impõe limites em relação às restrições decorrentes de situações econômicas:
“A proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade humana. O reconhecimento desta protecção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas” (CANOTILHO, 2000, p. 332-333)
Para CANOTILHO (2000), a lei é condicionante da concretização do direito fundamental. As crises econômicas tendem a aniquilar a força normativa dos princípios que consagram direitos fundamentais.
O Instituto da Reserva do Possível deve ser submetido ao Princípio da Proibição do Retrocesso Social, sendo uma limitação fática, violando a segurança jurídica e social, uma vez que poderia violar direitos fundamentais e sociais consagrados, bem como obstar a efetivação dos mesmos.
A respeito da Reserva do Possível Canotilho reconhece a limitação da disponibilidade econômica, dos gastos elevados com políticas públicas. Entretanto, questiona o argumento dos Estados em relação à carência de recursos. (CANOTILHO, 2000.):
José Afonso da Silva reconhece a existência no ordenamento jurídico brasileiro do Princípio da Proibição do Retrocesso Social, uma vez que as normas constitucionais definidoras de direitos sociais que vinculam o legislador e os órgãos estatais vedam o retrocesso na concretização desses direitos. (SILVA, 2007)
O Princípio da Proibição de Retrocesso Social é um princípio constitucional que possui como objetivo preservar os direitos conquistados, evitando assim supressões infundadas. Ressalta-se o entendimento de Ingo Wolfgan Sarlet, no sentido que deve existir uma evolução ao que tange os direitos fundamentais, jamais um retrocesso. (SARLET, 2001)
Este princípio encontra-se na Constituição Federal de 1988, decorrendo dos princípios do Estado social-democrático de direito, bem como da dignidade da pessoa humana, da ampliação, eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, bem como da segurança jurídica, da solidariedade e da justiça social.
O Estado está vinculado à concretização de determinados direitos, sendo-lhe vedado restringir ou violar tais direitos tanto no plano legislativo quanto executivo, neste sentido escreve Ingo Wolfgan Sarlet.
“Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte” (SARLET, 2004, p.162)
O direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e no princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990, diante da reserva do possível devem ser considerados levando-se em conta Joaquim José Gomes Canotilho, em especial a tese do Princípio da Proibição de Retrocesso Social (CANOTILHO, 2000).
Diante da crise do Estado Brasileiro e das dificuldades da concretização do direito constitucional à saúde pública de forma integral deve-se considerar o Princípio da Proibição de Retrocesso Social segundo CANOTILHO (2000), bem como SARLET(2006) garantindo assim o mínimo existencial.
A aplicabilidade do Princípio da Proibição do Retrocesso Social em relação ao direito constitucional à saúde pública, em especial na integralidade do tratamento é imprescindível para a concretização deste direito fundamental e social.
5. A Ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social
Será utilizada como marco teórico a tese da Lei de Ponderação para solucionar a colisão de princípios de Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, levando-se em consideração a ponderação em sentido específico, verificando a importância da satisfação de um direito justifica a não satisfação do outro.
Robert Alexy define o conceito de norma jurídica, por meio de uma diferenciação existente entre regras e princípios como duas espécies de norma, existindo diferenças em suas aplicações e ponderações. (ALEXY, 2008).
As Regras segundo Robert Alexy são "mandados definitivos", que determinam determinada conduta previamente definida. Já os Princípios, são "mandados de otimização", ordenam fazer uma coisa na máxima medida possível cuja medida de aplicação deve ser definida, pelo julgador, em cada situação de aplicação. (ALEXY, 2008).
Existe uma distinção segundo Robert Alexy as regras são aplicadas ao que tange a aplicação por subsunção e os princípios são aplicados por ponderação, ressalta-se que a colisão de princípios jurídicos não se resolve no campo da validade, mas no campo do valor: (ALEXY, 2008).
Segundo Robert Alexy existindo conflito entre regras, existem critérios objetivos para resolução, criando-se uma cláusula de exceção. Entretanto, caso dois princípios conflitam, imprescindível a ponderação no caso concreto que determinará qual prevalecerá, mas não excluirá o outro do ordenamento jurídico:
“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deverá ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção”. (ALEXY, 2008, p.93)
Os princípios conforme ressaltado anteriormente, segundo Robert Alexy são mandados de otimização que atuam no caso concreto em graus diferentes, de acordo com o caso concreto levando-se em consideração as questões jurídicas relacionadas aos princípios em colisão que devem ser ponderados. (ALEXY, 2008).
Robert Alexy afirma ser imprescindível ponderação entre os direitos sociais, inclusive o direito à saúde e a reserva do possível, uma vez que o direito à saúde de alguns cidadãos podem extinguir o direito de outros devido a escassez dos recursos. (ALEXY, 2008). Neste sentido escreve Luis Roberto Barroso:
“Alguém poderia supor, a primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que se contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão.” (BARROSO, 2009, p.13)
Luis Roberto Barroso afirma que os direitos fundamentais ao serem exigidos, inclusive por via judicial, podem sofrer ponderações tanto com direitos fundamentais, quanto como princípios constitucionais. (BARROSO, 2009).
Nesse sentido vale ressaltar que o direito constitucional à saúde deve ser ponderado no caso concreto, sendo concretizado por meio da maior extensão possível, considerando-se o suporte fático, jurídico e financeiro, garantindo e efetivando o direito à vida com dignidade, bem como respeitando o Princípio do Retrocesso Social e o Princípio da Reserva do Possível, conforme afirma Luis Roberto Barros: “As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais”. (BARROSO, 2009, p.34)
A solução pertinente para a colisão do Princípio do Retrocesso Social e o Princípio da Reserva do Possível ocorrerá de acordo com as peculiaridades do caso concreto, ponderando-se entre as necessidades e as possibilidades dos envolvidos por meio da proporcionalidade.
Segundo Robert Alexy sendo mandamentos de otimização, devem ser aplicados com o objetivo de atender à necessidade social por meio da proporcionalidade, em especial a adequação das medidas para se atingir o objetivo desejado, sendo esta media a menos gravosa, levando-se em consideração as vantagens a serem auferidas. (ALEXY, 2008)
6. Conclusão
O direito à saúde pública é um direito fundamental e social, sendo inerente ao direito à vida com dignidade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como a legislação infraconstitucional nacional garantem tal direito.
O ordenamento jurídico garante o direito à saúde, atribuindo como um dever fundamental do Estado. Nesse contexto surge uma demanda à prestação pelo poder público pertinente ao acesso e ao tratamento integral, em contraposição aos recursos limitados.
Diante das garantias legais e constitucionais o direito à saúde pode ser entendido como um direito público subjetivo irrestrito, no qual o cidadão tem o direito de obter na integralidade o tratamento que lhe for necessário.
Entretanto, os recursos são limitados e o Estado não possui condições de efetivar todas as políticas públicas necessárias para todos os cidadãos.
Vale ressaltar a vedação do retrocesso social ao que tange os direitos conquistados ao longo dos séculos. Neste sentido, evidente a colisão entre os princípios da Reserva do Possível e a Proibição do Retrocesso Social.
A solução para a colisão dos princípios em questão deve ser pautada na ponderação entre os mesmos, levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto.
O direto fundamental à saúde pública deve ser concretizado em respeito às garantias e aos princípios constitucionais, levando-se em consideração a realidade social, o bem comum e as peculiaridades do caso concreto.
O Princípio da Reserva do Possível não deve ser pleno e absoluto¸ jamais deve ser considerado de forma isolada como argumento plausível para justificar a ausência de determinada política pública, em especial em relação ao direito à saúde.
O Princípio da Proibição do Retrocesso Social tem como objetivo impedir que determinados direitos sejam extirpados do ordenamento jurídico, garantindo um mínimo existencial e um caráter evolutivo à sociedade.
Por fim, vale ressaltar que os princípios de maneira geral possuem diferentes graus de concretização, sendo imprescindível a análise do caso concreto, bem como dos demais princípios que integram o ordenamento jurídico, realizando assim uma ponderação com o intuito de estabelecer o direito a cada um dos envolvidos.
A ponderação do Princípio da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social deverá ocorrer, levando-se em consideração os argumentos do Estado que deve ainda demonstrar de forma clara que não violou o Princípio do Retrocesso Social, bem com a efetivação do direito à saúde acarretará um dano mais elevado à sociedade.
O direito constitucional à saúde pública de forma integral vem sofrendo limitações com base nos Princípios da Reserva do Possível. Entretanto, imprescindível que seja realizada no caso concreto a ponderação por meio da proporcionalidade com o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência: diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e o princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
fonte:http://www.ambito-juridico.com.br
Resumo: A saúde pública brasileira encontra-se em crise, o tratamento médico não respeita a dignidade da pessoa humana, a cobertura não é universal e o atendimento não é integral. Diante desta elevada demanda em contraposição com a escassez dos recursos, os Estados atualmente alegam como fator impeditivo da efetivação do direito à saúde o Princípio da Reserva do Possível. Entretanto, em colisão com tal princípio existe o Princípio da Proibição do Retrocesso Social. A partir do marco teórico de Robert Alexy pertinente à colisão de princípios, realizou-se a ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, apresentando limites e possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, consubstanciando a vedação do Princípio do Retrocesso Social.
Ao longo das últimas décadas a sociedade contemporânea tem acompanhado a situação da saúde pública no Brasil. A realidade demonstra milhares de pessoas por todo o Brasil abandonadas pelo Estado, espalhadas pelos corredores dos hospitais, no chão, sem tratamento médico, óbitos ocorrem devido à ausência de medicamentos, infecções, falta de recursos, carência de profissionais especializados, equipamentos obsoletos ou abandonados e inexistência de ambulâncias.
Neste contexto, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal violam a dignidade da pessoa humana, fundamento expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, positivada no artigo 1º, inciso III, deixam de cumprir os objetivos fundamentais expressos em seu artigo 3º, pertinentes à sociedade livre, justa e solidária, não erradicam a pobreza e a marginalização, não reduzem as desigualdades sociais e regionais e por fim não promovem o bem de todos.
O direito à saúde esta tutelado na Constituição Federal, em seus artigos 6º e 196 deve ser efetivado por meio da integralidade de assistência: diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e o princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar o direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, e os seguintes objetivos específicos: apresentar o conceito de direito à saúde pública; dissertar a respeito do princípio da integralidade de assistência; demonstrar os conceitos dos Princípios da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social e a relação com o direito à saúde pública e investigar a colisão e a ponderação dos Princípios da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social em relação ao direito constitucional à saúde pública por meio da assistência integral.
A partir do marco teórico de ALEXY (2008) pertinente à colisão de princípios, será realizada a ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social. A hipótese do trabalho consiste em apresentar os limites existentes ao Princípio da Reserva do Possível, possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência consubstanciando a vedação do Princípio do Retrocesso Social.
2. O Direito Constitucional à Saúde Pública
O direito à saúde pública encontra-se positivado na Constituição Federal expressamente nos artigos 6º e 196, sendo um direito social e fundamental, é um dever do Estado. A saúde é inerente aos ser humano, bem como à sua vida com dignidade, sedo fundamento da República Federativa do Brasil, expresso na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III.
Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º apresenta expressamente a busca por uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e por fim promoção do bem de todos. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 196 apresenta a concepção de saúde.
O direito à saúde é um dever Estado, sendo inerente ao direito à vida com dignidade, concretizando assim o direito fundamental e social, conforme considera Pedro Lenza, o ser humano é o destinatário destes direitos tutelados na atual Constituição Federal da República de 1988, (LENZA, 2008).
A respeito do direito à saúde e por conseqüência à vida com dignidade estão tutelados pela Constituição Federal de 1988 e pelo ordenamento jurídico, que devem orientar o intérprete e operador do direito, neste sentido escreve Germano André Doederlein Schwartz “A saúde é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para a sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade. Assim a saúde se conecta ao direito à vida”. (SCHWARTZ,2001, p.52)
O Estado deve garantir o direito à saúde devido às garantias constitucionais e infraconstitucionais, conforme escreve José Adécio Leite Sampaio:
“A Constituição assegura em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (SAMPAIO, 2002, p.699-700)
A saúde é um direito social previsto constitucionalmente no artigo 6° e no artigo 196, sendo norma de ordem pública, imperativa e inviolável, cabendo ao Estado concretizar tal direito, conforme escreve Alexandre de Moraes:
“Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades potestativas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1°, IV, da Constituição Federal”. (MORAES, 2008, p.198)
A saúde é um direito de todo o cidadão cabendo ao Estado o dever de garantir e efetivar por meio de políticas públicas, sociais e econômicas, com o intuito de minimizar doenças, agravos e principalmente prevenindo a sociedade por meio tanto da informação quanto da educação, neste sentido escreve José Afonso da Silva:
“A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam.” (SILVA, 2001, p.808)
A Constituição garante a proteção à saúde preventiva e curativa, sendo o conceito deste direito amplo, não se restringindo ao tratamento e prevenção de doenças, cabendo ao Estado a sua efetivação, conforme escreve Kildare Gonçalves de Carvalho:
“O direito à saúde, de que trata o texto constitucional brasileiro, implica não apenas no oferecimento da medicina curativa, mas também na medicina preventiva, dependente, por sua vez, de uma política social e econômica adequadas. Assim, o direito à saúde compreende a saúde física e mental, iniciando pela medicina preventiva, esclarecendo e educando a população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia, trabalho, lazer, alimentação saudável na qualidade necessária, campanha de vacinação dentre outras. (CARVALHO, 2008, p.1251)”
O direito constitucional à saúde pública possui a integralidade de assistência como diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e como princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
A respeito da saúde é garantido a integralidade de assistência conforme escrevem TAVARES (2008) e MARTINS (2008), tutelando um bem estar físico, mental, social, a prevenção e o tratamento de doenças e enfermidades.
O direito à saúde pública é pautado na universalidade de cobertura e na integralidade de assistência. A assistência integral deve ser compreendida com um conjunto de ações e serviços que buscam informar, prevenir e tratar as doenças e agravos à saúde, garantindo ao indivíduo a proteção do seu potencial biológico e psicossocial e a recuperação de sua saúde. TAVARES (2008) e MARTINS (2008)
O conceito de integralidade é um dos pilares a sustentar a criação do Sistema Único de Saúde. Diretriz consagrada pela Constituição de 1988, previsto artigo 198 e a integralidade do tratamento é um princípio básico da saúde pública, previsto expressamente na Lei 8.080 de 1990 em seu artigo 7°:
“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (BRASIL, 1990)”
Entretanto, a atual situação econômica, política e social do Brasil por meio do Estado vem violando o direito constitucional à saúde pública, em especial ao que tange a integralidade do atendimento.
3. O Princípio da Reserva do Possível
Inúmeras são os fatores que contribuem para a violação por parte do Estado do dever constitucional e infraconstitucional pertinentes à efetivação do direito à saúde. Um dos fatores é o aumento da demanda pela sociedade brasileira, outro seria a diminuição da capacidade do Estado em efetivar o direito à saúde, conforme escreve Ingo Wolfgang Sarlet:
“De outra parte, a crescente insegurança no âmbito da seguridade social, neste contexto, de uma demanda cada vez maior por prestações sociais (ainda mais em sociedades marcadas pelo incremento da exclusão social) e de um paralelo decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da sociedade”. (SARLET, 2006, p.420)
Os direitos sociais em geral, o direito à saúde pública e à integralidade de tratamento no Brasil não é efetivado, conforme escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“Entretanto, em países – tais como o Brasil – que não atingiram o mesmo nível de proteção social que os dos continentes precursores de tais idéias – Europa, América do Norte, Oceania -, o período atual gera problemas de outra ordem: a redução de gastos públicos com políticas sociais, o que, em verdade, significa o não atingimento do prometido Bem-Estar Social”. (CASTRO, 2008, p.662)
Atualmente as sociedades estão sofrendo um elevado impacto em virtude do papel desenvolvido pelos Estados, inclusive o Brasil, ao que tange as políticas públicas, neste sentido escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“É inegável que as sociedades contemporâneas estão vivendo um processo de modificação das políticas estatais. A internacionalização da economia, derrubando fronteiras até então mais ou menos respeitadas tanto pelo capital produtivo como pelo meramente especulativo, hoje impera com largueza, colocando um xeque vários conceitos e entes intocáveis, como a soberania estatal, o valor social do trabalho e a intervenção do Estado com vistas à redução das desigualdades sociais.” (CASTRO, 2008, p.662-663)
A proteção social é afetada diretamente pelos efeitos da globalização, que afeta o próprio Estado Contemporâneo, neste sentido escreve Carlos Alberto Pereira de Castro: “Os efeitos da chamada globalização da economia parecem, pois, afetar de forma direta, não apenas o tratamento das questões de proteção social, mas o próprio amálgama formador do Estado Contemporâneo”. (CASTRO, 2008, p.666)
Destaca-se que o Estado deve garantir os direitos sociais, por meio de políticas públicas, a saúde deve ser um direito concretizado de forma integral, conforme escreve Carlos Alberto Pereira de Castro:
“O Estado-Providência foi criado, segundo os seus precursores, para a redução das desigualdades sociais. Assim, o sistema se sustenta e se legitima pelo fato de que a sociedade – e o Governo eleito por esta – tem um compromisso moral com os menos favorecidos”. (CASTRO, 2008, p.668)
A integralidade de tratamento e o direito constitucional à saúde pública estão condicionados aos recursos e investimentos existentes. Neste sentido incide o Princípio da Reserva do Possível que tende a mitigar os direitos sociais.
Vale ressaltar que o Princípio da Reserva do Possível não trata exclusivamente às questões pertinentes aos recursos financeiros para a efetivação dos direitos sociais, mas sim a razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação, mas também a previsão orçamentária da respectiva despesa, neste sentido escreve Ingo Wolfgang Sarlet:
“Sustenta-se, por exemplo, inclusive entre nós, que a efetivação destes direitos fundamentais encontra-se na dependência da efetiva disponibilidade de recursos por parte do Estado, que, além disso, deve dispor do poder jurídico, isto é, da capacidade jurídica de dispor. Ressalta-se, outrossim, que constitui tarefa cometida precipuamente ao legislador ordinário a de decidir sobre a aplicação e destinação de recursos públicos, inclusive no que tange às prioridades na esfera das políticas públicas, com reflexos diretos na questão orçamentária, razão pela qual também se alega tratar-se de um problema eminentemente competencial. Para os que defendem esse ponto de vista, a outorga ao Poder Judiciário da função de concretizar os direitos sociais mesmo à revelia do legislador, implicaria afronta ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, ao postulado do Estado de Direito”. (SARLET, 2001,p. 286)
Atualmente, a Reserva do Possível tem sido o fundamento dos Estados buscando justificar a omissão para a efetivação dos direitos sociais, buscando afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de tais direitos, por meio da comprovação de ausência de recursos orçamentários suficientes para tanto.
A respeito da Reserva do Possível Luis Roberto Barroso afirma que os recursos públicos não são suficientes para atender as demandas sociais. Restando ao Estado direcionar o orçamento de acordo com as prioridades:
“A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender todas as necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros.” (BARROSO, 2009, p.37)
Em relação à analise econômica do direito, seus limites, benefícios e beneficiários escreve Luis Roberto Barroso:
“No contexto de análise econômica do direito, costuma-se objetar que o benefício auferido pela população com a distribuição de medicamentos é significativamente menor que aquele que seria obtido no caso os mesmos recursos fossem investidos em outras políticas de saúde pública, como é o caso, por exemplo, das políticas de saneamento básico e de construção de redes de água potável”. (BARROSO, 2009, p.33-34)
Neste conturbado contexto surge a demanda social e o direito constitucional à saúde pública de forma integral diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e no princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990 e o limite alegado pelos Estado por meio do Princípio da Reserva do Possível.
4. O princípio da Proibição do Retrocesso Social
Em relação ao Princípio da Proibição de Retrocesso Social, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que os direitos econômicos, sociais e culturais estão submetidos às recessões e às crises conjunturais e estruturais. Entretanto, as restrições devem sofrer limitações possibilitando o respeito à dignidade humana. (CANOTILHO 2000)
Canotilho demonstra que o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, impõe limites em relação às restrições decorrentes de situações econômicas:
“A proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade humana. O reconhecimento desta protecção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas” (CANOTILHO, 2000, p. 332-333)
Para CANOTILHO (2000), a lei é condicionante da concretização do direito fundamental. As crises econômicas tendem a aniquilar a força normativa dos princípios que consagram direitos fundamentais.
O Instituto da Reserva do Possível deve ser submetido ao Princípio da Proibição do Retrocesso Social, sendo uma limitação fática, violando a segurança jurídica e social, uma vez que poderia violar direitos fundamentais e sociais consagrados, bem como obstar a efetivação dos mesmos.
A respeito da Reserva do Possível Canotilho reconhece a limitação da disponibilidade econômica, dos gastos elevados com políticas públicas. Entretanto, questiona o argumento dos Estados em relação à carência de recursos. (CANOTILHO, 2000.):
José Afonso da Silva reconhece a existência no ordenamento jurídico brasileiro do Princípio da Proibição do Retrocesso Social, uma vez que as normas constitucionais definidoras de direitos sociais que vinculam o legislador e os órgãos estatais vedam o retrocesso na concretização desses direitos. (SILVA, 2007)
O Princípio da Proibição de Retrocesso Social é um princípio constitucional que possui como objetivo preservar os direitos conquistados, evitando assim supressões infundadas. Ressalta-se o entendimento de Ingo Wolfgan Sarlet, no sentido que deve existir uma evolução ao que tange os direitos fundamentais, jamais um retrocesso. (SARLET, 2001)
Este princípio encontra-se na Constituição Federal de 1988, decorrendo dos princípios do Estado social-democrático de direito, bem como da dignidade da pessoa humana, da ampliação, eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, bem como da segurança jurídica, da solidariedade e da justiça social.
O Estado está vinculado à concretização de determinados direitos, sendo-lhe vedado restringir ou violar tais direitos tanto no plano legislativo quanto executivo, neste sentido escreve Ingo Wolfgan Sarlet.
“Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte” (SARLET, 2004, p.162)
O direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência, diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e no princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990, diante da reserva do possível devem ser considerados levando-se em conta Joaquim José Gomes Canotilho, em especial a tese do Princípio da Proibição de Retrocesso Social (CANOTILHO, 2000).
Diante da crise do Estado Brasileiro e das dificuldades da concretização do direito constitucional à saúde pública de forma integral deve-se considerar o Princípio da Proibição de Retrocesso Social segundo CANOTILHO (2000), bem como SARLET(2006) garantindo assim o mínimo existencial.
A aplicabilidade do Princípio da Proibição do Retrocesso Social em relação ao direito constitucional à saúde pública, em especial na integralidade do tratamento é imprescindível para a concretização deste direito fundamental e social.
5. A Ponderação do Princípio da Reserva do Possível e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social
Será utilizada como marco teórico a tese da Lei de Ponderação para solucionar a colisão de princípios de Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, levando-se em consideração a ponderação em sentido específico, verificando a importância da satisfação de um direito justifica a não satisfação do outro.
Robert Alexy define o conceito de norma jurídica, por meio de uma diferenciação existente entre regras e princípios como duas espécies de norma, existindo diferenças em suas aplicações e ponderações. (ALEXY, 2008).
As Regras segundo Robert Alexy são "mandados definitivos", que determinam determinada conduta previamente definida. Já os Princípios, são "mandados de otimização", ordenam fazer uma coisa na máxima medida possível cuja medida de aplicação deve ser definida, pelo julgador, em cada situação de aplicação. (ALEXY, 2008).
Existe uma distinção segundo Robert Alexy as regras são aplicadas ao que tange a aplicação por subsunção e os princípios são aplicados por ponderação, ressalta-se que a colisão de princípios jurídicos não se resolve no campo da validade, mas no campo do valor: (ALEXY, 2008).
Segundo Robert Alexy existindo conflito entre regras, existem critérios objetivos para resolução, criando-se uma cláusula de exceção. Entretanto, caso dois princípios conflitam, imprescindível a ponderação no caso concreto que determinará qual prevalecerá, mas não excluirá o outro do ordenamento jurídico:
“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deverá ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção”. (ALEXY, 2008, p.93)
Os princípios conforme ressaltado anteriormente, segundo Robert Alexy são mandados de otimização que atuam no caso concreto em graus diferentes, de acordo com o caso concreto levando-se em consideração as questões jurídicas relacionadas aos princípios em colisão que devem ser ponderados. (ALEXY, 2008).
Robert Alexy afirma ser imprescindível ponderação entre os direitos sociais, inclusive o direito à saúde e a reserva do possível, uma vez que o direito à saúde de alguns cidadãos podem extinguir o direito de outros devido a escassez dos recursos. (ALEXY, 2008). Neste sentido escreve Luis Roberto Barroso:
“Alguém poderia supor, a primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que se contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão.” (BARROSO, 2009, p.13)
Luis Roberto Barroso afirma que os direitos fundamentais ao serem exigidos, inclusive por via judicial, podem sofrer ponderações tanto com direitos fundamentais, quanto como princípios constitucionais. (BARROSO, 2009).
Nesse sentido vale ressaltar que o direito constitucional à saúde deve ser ponderado no caso concreto, sendo concretizado por meio da maior extensão possível, considerando-se o suporte fático, jurídico e financeiro, garantindo e efetivando o direito à vida com dignidade, bem como respeitando o Princípio do Retrocesso Social e o Princípio da Reserva do Possível, conforme afirma Luis Roberto Barros: “As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais”. (BARROSO, 2009, p.34)
A solução pertinente para a colisão do Princípio do Retrocesso Social e o Princípio da Reserva do Possível ocorrerá de acordo com as peculiaridades do caso concreto, ponderando-se entre as necessidades e as possibilidades dos envolvidos por meio da proporcionalidade.
Segundo Robert Alexy sendo mandamentos de otimização, devem ser aplicados com o objetivo de atender à necessidade social por meio da proporcionalidade, em especial a adequação das medidas para se atingir o objetivo desejado, sendo esta media a menos gravosa, levando-se em consideração as vantagens a serem auferidas. (ALEXY, 2008)
6. Conclusão
O direito à saúde pública é um direito fundamental e social, sendo inerente ao direito à vida com dignidade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como a legislação infraconstitucional nacional garantem tal direito.
O ordenamento jurídico garante o direito à saúde, atribuindo como um dever fundamental do Estado. Nesse contexto surge uma demanda à prestação pelo poder público pertinente ao acesso e ao tratamento integral, em contraposição aos recursos limitados.
Diante das garantias legais e constitucionais o direito à saúde pode ser entendido como um direito público subjetivo irrestrito, no qual o cidadão tem o direito de obter na integralidade o tratamento que lhe for necessário.
Entretanto, os recursos são limitados e o Estado não possui condições de efetivar todas as políticas públicas necessárias para todos os cidadãos.
Vale ressaltar a vedação do retrocesso social ao que tange os direitos conquistados ao longo dos séculos. Neste sentido, evidente a colisão entre os princípios da Reserva do Possível e a Proibição do Retrocesso Social.
A solução para a colisão dos princípios em questão deve ser pautada na ponderação entre os mesmos, levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto.
O direto fundamental à saúde pública deve ser concretizado em respeito às garantias e aos princípios constitucionais, levando-se em consideração a realidade social, o bem comum e as peculiaridades do caso concreto.
O Princípio da Reserva do Possível não deve ser pleno e absoluto¸ jamais deve ser considerado de forma isolada como argumento plausível para justificar a ausência de determinada política pública, em especial em relação ao direito à saúde.
O Princípio da Proibição do Retrocesso Social tem como objetivo impedir que determinados direitos sejam extirpados do ordenamento jurídico, garantindo um mínimo existencial e um caráter evolutivo à sociedade.
Por fim, vale ressaltar que os princípios de maneira geral possuem diferentes graus de concretização, sendo imprescindível a análise do caso concreto, bem como dos demais princípios que integram o ordenamento jurídico, realizando assim uma ponderação com o intuito de estabelecer o direito a cada um dos envolvidos.
A ponderação do Princípio da Reserva do Possível e da Proibição do Retrocesso Social deverá ocorrer, levando-se em consideração os argumentos do Estado que deve ainda demonstrar de forma clara que não violou o Princípio do Retrocesso Social, bem com a efetivação do direito à saúde acarretará um dano mais elevado à sociedade.
O direito constitucional à saúde pública de forma integral vem sofrendo limitações com base nos Princípios da Reserva do Possível. Entretanto, imprescindível que seja realizada no caso concreto a ponderação por meio da proporcionalidade com o Princípio da Proibição de Retrocesso Social, possibilitando a efetivação do direito constitucional à saúde pública e a integralidade de assistência: diretriz prevista no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e o princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990.
fonte:http://www.ambito-juridico.com.br