Paulo Celso Pereira e Carolina Brígido
TSE decide hoje se aceita criação da Rede, sigla pela qual Marina quer disputar Presidência
BRASÍLIA
- Exatamente três anos após obter quase 20 milhões de votos na eleição
presidencial, e ainda um fenômeno nas pesquisas de intenção de votos, a
ex-senadora Marina Silva verá hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o
desfecho de seu projeto de criação de um novo partido, a Rede
Sustentabilidade, pelo qual pretende disputar as eleições de 2014.
Segunda colocada em todas as pesquisas de intenção de voto, Marina
começou ainda em 2011 o debate sobre a possibilidade de fundar a
legenda, mas corre o risco de não conseguir sua aprovação em função da
demora em obter certidões que comprovassem o apoio mínimo de cerca de
492.000 eleitores ao seu plano — ironicamente, cerca de módicos 2,5% do
número de votos que recebeu em 2010. O julgamento marcado para a noite é
decisivo para Marina e deve ter impacto direto no quadro da eleição
presidencial do ano que vem. Mas ela garante que não vai recorrer ao
Supremo Tribunal Federal no caso de derrota.
Entre terça-feira e
ontem, três ministros do TSE que vão participar do julgamento do
processo da Rede falaram publicamente sobre o caso e geraram muita
apreensão entre apoiadores da Rede. Mas os ministros ouvidos concordam
também que o julgamento será precedido de um grande debate sobre a
situação atípica da Rede, de lastro na sociedade, e sobre a
possibilidade de abusos na rejeição de assinaturas, que pode virar o
jogo.
Após passar o dia em casa, Marina participou, ao lado de
parlamentares, de uma última reunião no escritório do seu advogado
Torquato Jardim, onde ouviu uma prévia da linha que ele adotará da
tribuna do TSE. Torquato reiterou estar confiante na tese jurídica que
sustentará. Pela lei eleitoral, todo partido político que pretenda
disputar as eleições do próximo ano precisa ser aprovado pelo TSE até
sábado. Na saída do encontro, Marina disse estar "muito tranquila", mas
evitou se estender:
— Agora, não vamos mais falar. Só amanhã,
com o registro na mão, e aí a conversa vai ser bem mais tranquila. Estou
saindo daqui muito tranquila, vou dormir com muita confiança.
Como
a Rede apresentou apenas 442.000 certidões de apoio — cerca de 50.000 a
menos que o exigido em lei —, o partido aposta todas as suas fichas na
tese de que o TSE deveria "validar" cerca de 95.000 assinaturas
rejeitadas pelos cartórios sem justificativa. Mas a tese enfrenta
resistências. Depois de o ministro João Otávio Noronha afirmar ainda na
terça-feira que caberia à Rede atender aos requisitos legais, e que os
cartórios eleitorais não eram obrigados a justificar quando rejeitam
assinaturas de apoio, ontem outros dois ministros que participarão do
julgamento também se pronunciaram.
Tanto Gilmar Mendes quanto
Marco Aurélio Mello destacaram considerar difícil a situação do partido
da ex-senadora. Mas não arriscam que haverá a rejeição.
— É
muito difícil (a concessão do registro). Sob a minha ótica. É o que eu
digo, colegiado é uma caixa de surpresas. É possível que eu esteja
errado, porque fiquei na corrente minoritária, já flexibilizaram a nossa
resolução relativamente ao PSD e ao Solidariedade. Vamos esperar para
ver. Ela (Marina Silva) já tem pela proa o parecer (pela rejeição) da
Procuradoria — disse Marco Aurélio, reiterando em seguida sua admiração
pela ex-senadora, mas destacando que o tribunal não vai julgar a
personalidade dela:
— A ex-senadora forma no melhor quadro da
República em termos de apego a princípios, em termos de ética, mas, em
Direito, o meio justifica o fim, e não o fim o meio. Não podemos
estabelecer, considerados esses aspectos ligados à personalidade de quem
capitaneia o futuro partido, o critério de plantão. O critério é linear
para todos. A exigência legal é que a autenticação seja implementada
pelos escrivães dos cartórios. E cartório aí é o da zona eleitoral, não é
o Tribunal Superior Eleitoral como terceiro patamar do Judiciário e da
administração em si da matéria.
Gilmar Mendes, ministro
substituto do TSE, que participará da sessão no lugar de Dias Toffoli,
que está no Panamá, afirmou que o tribunal terá de discutir se
flexibiliza ou não a regra das assinaturas.
— Vamos examinar, em
função das alegações que são feitas de que teria havido aqui e acolá
abusos na rejeição (de registros de partidos). Há exemplos que estão
sendo mostrados. Isso tem de ser examinado, e o TSE está sendo muito
criterioso. Participei do julgamento do PROS, e a relatora foi muito
minuciosa nesse exame — afirmou.
Reservadamente, aliados da
senadora reagiram às declarações, que na avaliação deles configurariam
uma antecipação de voto. Em um vídeo divulgado ontem na página da Rede
na internet e no perfil de Marina no Facebook, a senadora destacou que
cabe ao TSE reparar as falhas dos cartórios.
— A Rede
Sustentabilidade encaminhou para o TSE o pedido de validação dessas
assinaturas para que a própria Justiça repare essa falha dos cartórios.
(...) Muitos partidos se institucionalizam para depois ganharem
representação social. Nós fizemos exatamente o contrário: ganhamos
representação social no país inteiro e depois buscamos a
institucionalização. E estamos confiantes de que a Justiça reparará esse
erro cometido pelos cartórios e teremos o registro de um novo partido
político para defender a democratização da democracia, a Rede
Sustentabilidade — afirmou.
O PDT ingressou ontem com mandado de
segurança no TSE pedindo a anulação do registro do Partido
Solidariedade, concedido semana passada pela corte. O PDT alega que
houve ao menos cinco ilegalidades no processo, desde erros
procedimentais adotados pelo tribunal até a contabilização de
apoiamentos comprovadamente falsos.
Publicado no Globo de hoje. Paulo Celso Pereira e Carolina Brígido são repórteres do Globo em Brasília.