Algumas unidades prisionais ficaram destruídas, como esta cela de Alcaçuz
(Foto: Divulgação/Sindasp-RN)
(Foto: Divulgação/Sindasp-RN)
G1 - "O Estado controla os muros. O interior dos presídios é controlado pelos detentos". A afirmação é de Henrique Baltazar dos Santos, que é juiz da Vara de Execuções Penais de Natal desde 1990.
Para o magistrado, a crise que se instalou nos presídios do estado com rebeliões em série durante oito dias nesta semana não tem a ver com as más condições das unidades prisionais. "Os presos têm muitos motivos para se rebelar. Mas essa onda de motins não foi por nenhum desses motivos. Foi para eles mostrarem quem realmente manda", afirma.
Para a secretária estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed), Kalina Leite Gonçalves, "o sistema prisional do Rio Grande do Norte era um bomba relógio prestes a explodir. Agora explodiu". A declaração revela que os problemas no sistema penitenciário do estado não são recentes, muito menos uma novidade, e que os motins não pegaram o governo de surpresa.
Na última segunda-feira (16), Kalina Leite passou a responder interinamente pela Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), responsável pela administração das unidades prisionais potiguares.
"Não é uma surpresa que tudo isso esteja acontecendo. E muito disso se deve à falta de investimentos dos governos estadual e federal no sistema prisional do estado", disse o procurador-geral de Justiça, Rinaldo Reis, em entrevista na última terça-feira (17), quando o estado passava pelo sétimo dia de rebeliões nos presídios.
Superlotação
O Rio Grande do Norte tem 33 unidades prisionais que totalizam 4.876 vagas. O número de presos é 7.605. A superlotação dos presídios é apontada como um dos maiores problemas do sistema prisional pelo próprio governo do estado.
Mas este não é o único problema. A estrutura física das unidades prisionais – que já era precária – ficou pior com a série de rebeliões que atingiu 14 presídios de 11 a 18 de março.
Henrique Baltazar, juiz de Execuções Penais
(Foto: Ricardo Araújo/G1)
No entanto, os problemas estruturais também não surgiram agora. Paredes com infiltração, celas escuras e sem ventilação, presença de insetos e sujeira fazem parte da rotina de grande parte dos detentos do estado há anos.
Na maior parte das unidades prisionais do Rio Grande do Norte não há atendimento médico, dentário ou psicológico.
Um relatório de inspeção prisional realizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em 2014 aponta que na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, a maior do estado, em celas com capacidade para duas pessoas, havia até oito. São 610 vagas para 866 presos, de acordo com o relatório.
No Presídio Provisório Raimundo Nonato, em Natal, a situação era ainda pior: 180 vagas para 408 detentos.
Segundo Henrique Baltazar, a crise anunciada no sistema prisional foi subestimada pelo poder público. O início do problema, para ele, foi a transformação de carceragens de delegacias em presídios em 2010.
"Não havia estrutura para isso. O que se fez foi colocar uma placa escrita 'Centro de Detenção Provisória' na frente da delegacia. E os presos que estavam sob custódia da Polícia Civil passaram para o sistema prisional do estado", afirmou o juiz.
O Estado controla os muros, o interior dos presídios é controlado pelos presos"
Henrique Baltazar,
juiz de execuções penais de Natal
Nos últimos dez anos, o governo criou 570 vagas no sistema prisional com a abertura da Cadeia Pública de Nova Cruz, na região Agreste do estado, com 168 vagas, e do Presídio Rogério Coutinho Madruga, anexo de Alcaçuz, que tem 402 vagas. "Fora isso, o que se viu foram apenas obras ocasionais, reparos pontuais em algumas unidades", disse.
Mutirão carcerário
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu um mutirão carcerário em parceria com o Tribunal de Justiça do RIo Grande do Norte (TJRN) e constatou a degradação do sistema prisional do estado.
O juiz Esmar Custódio Vêncio Filho, designado pelo CNJ para coordenar os trabalhos do mutirão no estado, afirmou à época, que o quadro encontrado era de "verdadeiro abandono". Na ocasião, segundo o mutirão, o déficit era de 2 mil vagas.
Procurado pelo G1, o CNJ disse não possuir um ranking nacional dos sistemas prisionais nos estados. Mas ressaltou o que consta no relatório obtido pela reportagem.
O então presidente do STF, Joaquim Barbosa,
visitou Alcaçuz em 2013 e classificou o sistema
prisional do RN como "um dos piores do país"
(Foto: Tasso Pinheiro/TJRN)
Joaquim Barbosa, à época presidente do Superior Tribunal Federal (STF), esteve no Rio Grande do Norte para avaliar os resultados do mutirão e afirmou que “as unidades prisionais do estado não respeitavam padrões mínimos de dignidade humana e que a situação era uma das mais graves do país”.
Isso foi em abril de 2013. De lá pra cá, muito pouco foi feito, segundo o juiz Henrique Baltazar.
"O sistema estava para explodir a qualquer momento. O governo estadual ignorou o sistema prisional e suas necessidades. É urgente construir novos presídios e contratar agentes penitenciários", afirmou o juiz.
Agentes
A presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindasp), Vilma Batista, contabiliza 870 profissionais atuando hoje nos presídios do estado. O ideal, segundo ela, é ter 1.500 agentes penitenciários. “O Conselho Nacional de Políticas Públicas estabelece que o ideal é um agente para cinco presos”, detalha a presidente do sindicato.
Entretanto, Vilma Batista opina que o maior problema não está no efetivo disponível. “Falta armamento, carro, detector de metais, monitoramento eletrônico, computador e equipamento de segurança. Não tem perspectiva de carreira, além de ser uma atividade altamente periculosa. A única perspectiva que você tem é que pode morrer a qualquer momento”, afirma.
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